terça-feira, 14 de abril de 2009

O desacordo ortográfico


Contrariamente a toda a lógica, o parlamento português ratificou o Acordo Ortográfico que supostamente irá unir linguisticamente todos os países de língua oficial portuguesa e, mais tarde, em 16 de Maio de 2008, ratificou a primeira emenda ao texto inicialmente aprovado.
Estes factos, não geraram consenso no nosso país e as opiniões dividem-se, tal como sucedeu no próprio parlamento.
Em sede parlamentar houve quem se confessasse abertamente a favor do novo diploma afecto ao espaço da CPLP, como, por exemplo, Pedro Santana Lopes, que sublinhou ser para ele uma honra poder votar favoravelmente o acordo, ao mesmo tempo que as vozes dissonantes se fizeram sentir na votação contrária do PCP, do Partido “Os Verdes” e de personalidades ilustres como Manuel Alegre, do PS e Nuno Melo e António Carlos Monteiro do CDS. Uma larga maioria dos deputados do chamado bloco central, sujeitos à disciplina partidária e, nalguns casos, sem personalidade para a contrariar, optou pelo sim a esta evidente aberração.
O deputado Nuno Melo teceu algumas considerações antes da votação, afirmando com inusitado realismo o seguinte: “Não será pelo acordo, que por cá se vai usar o infinitivo menos, do que lá se usa o gerúndio. Ou que atacador deixará de ser cadarço, apelido, deixará de ser alcunha, assobio deixará de ser silvo, biberão deixará de ser mamadeira, imposto deixará de ser propina, cueca deixará de ser calcinha, ou que gira deixará de ter muita graça”.
Do mesmo modo que não houve consenso no parlamento luso quanto a esta nova forma de escrever o português, a maioria dos países da CPLP - Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa não se revê nesta espécie de acordo que tem como grandes defensores o Brasil, por questões absolutamente lógicas, e Portugal, por questões absolutamente ilógicas.
Mesmo assim, do lado de lá do Atlântico, Motta Oliveira, professor da Universidade de São Paulo, disse em 28 de Agosto do ano passado à Agência Lusa: “Acho cedo para falar do acordo, ainda mais que se trata de um desacordo. Creio que toda a mudança ortográfica é difícil”.
Estas palavras de Motta Oliveira, ainda hoje perfeitamente actuais, foram proferidas partindo da realidade que nos mostra que apenas três países da CPLP, Portugal, Brasil e S. Tomé e Príncipe, assinaram aquele diploma linguístico.
No meio de tanta divisão e de tanta confusão, ainda mais estranha se torna a posição que Portugal adoptou sobre este assunto.
Sendo certo que a nossa língua é a expressão maior da nossa cultura, como é possível que os políticos portugueses (aqueles que votaram favoravelmente a aprovação do Acordo Ortográfico) tenham deixado hipotecar a interesses estrangeiros algo que nos é tão caro?
Será que esta gente pensa que um grande número de portugueses, mais letrados e menos letrados, vai agora deixar adulterar a nossa língua e, em vez de a defender com unhas e dentes, passará a falar um protótipo de língua que é semelhante à nossa mas que não é a nossa porque a adulteraram?
Fomos nós, portugueses, irmãos de Camões, que levámos a nossa língua e a nossa cultura a povos de África, da América do Sul e às longínquas terras para lá do Cabo da Boa Esperança e agora seremos também nós quem vai deixar perder na memória do mundo os feitos heróicos dos nossos antepassados e permitir que nos roubem, com o nosso consentimento, aquilo que mais nos identifica que é a nossa própria língua?


Não meus amigos, não contem comigo – e com muitos mais - para essa cobardia.
Sei que nasci num país pequeno em tudo e que, à medida que os anos vão decorrendo, se vai tornando ainda mais minúsculo em todos os aspectos.
Também sei que actualmente vivemos na vã glória do faz de conta, da mentira sem rebuço e aturando a mais vil corrupção, mas, pelo menos, não façam à Língua Portuguesa o que fizeram ao ouro que há poucas décadas havia no Banco de Portugal.
Deixem-nos a subida honra de continuarmos a falar a mesma língua de Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa e a satisfação de vermos os nossos filhos e os nossos netos a aprenderem o português verdadeiro nas escolas deste país.
Pela minha parte, com Acordo Ortográfico ou sem ele, sempre falarei e escreverei o português que me ensinaram desde criança.
Sei que isto pouco vos importa, ou melhor, importa-lhes tanto como a mim me importam todos os acordos ortográficos que vocês assinarem.
Francisco Balsinha

1 comentário:

  1. Como se diz aqui para os meus lados "boca santa".
    Tem toda a razão. Não é com um acordo ortográfico que as pessoas vão ficar a escrever melhor o nosso Português "já tão maltratado!
    Agradeço-lhe por este alerta!

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